E se tudo o que você tem feito até hoje tiver sido mero treinamento para a verdadeira carreira que ainda está por vir
Nestes últimos anos, ao trabalhar a questão da preparação para o futuro com executivos e jovens, tenho pensado muito sobre o conceito de 2a e 3a carreiras. Neste artigo, decidi oferecer ao leitor cinco histórias reais, algumas pessoais, outras ligadas ao trabalho que desenvolvemos na Amana-Key. O objetivo é estimulá-lo a refletir sobre suas próximas carreiras.
1 - Há dez anos, quando meus filhos tinham 14, 11 e 9 anos de idade, eu e minha esposa conversávamos ao jantar sobre o sistema educacional vigente. Nossa conclusão ao final da conversa foi óbvia e, ao mesmo tempo, assustadora: nossos filhos não estavam sendo preparados para o futuro. Ao contrário, pareciam estar sendo preparados para o... passado.
Outra constatação foi a de que eu poderia ajudar meus filhos - sou especialista em estratégia e trabalho com futuristas, preparando executivos para os desafios que estão por vir. Portanto eu poderia ajudá-los. Mas não estava fazendo isso.
Nessa mesma noite, telefonei para vários amigos com filhos na mesma faixa etária dos meus e convidei-os para o que chamamos de Projeto Jovens da Amana. O objetivo era simples: desenvolver nas crianças uma visão de mundo e competências que provavelmente não conseguiriam nas escolas por onde passariam mas que seriam fundamentais para o futuro.
Começamos com 25 crianças e adolescentes naquele sábado. E o projeto avançou nos anos seguintes, sempre com um número crescente de participantes. Criávamos a cada semana formas divertidas de atingir o objetivo proposto: jogos e simulações, bate-papos com músicos da Orquestra Sinfônica Jovem do Estado, workshops com mímicos para sensibilizar os jovens quanto à importância da comunicação não-verbal, criação de situações propícias à prática de valores, jogos de imaginação sobre o futuro etc.
Hoje o Projeto Jovens trabalha com adolescentes pré-universitários (acima de 15 anos). O objetivo dos seminários também é simples. Na primeira parte, pensamos juntos sobre o futuro. A premissa é a de que, quando esses jovens chegarem ao mercado de trabalho (em dez anos), o mundo será muito diferente do atual. Daí a importância de se decidir imaginando esse "ponto futuro" - caso contrário, está se decidindo com base no passado. A segunda parte é sobre o processo decisório.
A esses seminários gratuitos, realizados em fins de semana, comparecem centenas de jovens do Brasil todo (de 200 a 300 por seminário). E também executivos e executivas, pais dos jovens, assistem ao evento.
Curiosamente o efeito nos pais é, em muitos casos, tão grande quanto o causado nos jovens... A reunião faz os pais pensarem. Eles estão na faixa dos 40 aos 50 anos. Pensam nos anos que faltam para a aposentadoria. E pensam na mesma sintonia dos jovens... O que farei quando "crescer", quando estiver mais maduro, mais sábio, mais sereno, mais experiente, mais competente... "formado" pela vida?
2 - Na sessão sobre estratégia, em nossos programas de gestão avançada especulamos sobre o futuro. Nos próximos dez anos teremos o equivalente a quantos anos de mudança para trás: 50, 60, 100 anos? (Cinqüenta anos é a projeção "conservadora" da maioria dos executivos.)
A reflexão seguinte é voltarmos 50 anos no passado. E zás! Estamos ainda na década de 40, no período pós-guerra. "Como grupo de pessoas de negócios, teríamos conseguido em 1949 imaginar o mundo de 1999?" O debate continua e a resposta unânime é: "Não". Não, como racionais executivos e executivas de empresas. Se fôssemos, digamos, escritores de ficção científica, talvez tivéssemos alguma chance...
No passo subseqüente voltamos à questão original e a conclusão é óbvia. Hoje, em 1999, teremos que ter a imaginação de um escritor de ficção para chegarmos a visualizar o mundo dez anos à frente.
Estamos nos preparando devidamente, em nossas empresas e no país, para esse futuro tão diferente que está emergindo? No aspecto pessoal, o exercício tem sempre um impacto diferente. E a reflexão é sobre expectativa de vida. As estatísticas já nos mostram dados marcantes. Há poucas gerações (a de nossos bisavós) era comum pessoas morrerem ainda muito jovens, antes dos 40 anos. Hoje o quadro é bem diferente. Mas e no futuro?
Se imaginarmos o progresso que todas as áreas de conhecimento vão experimentar nestes próximos dez anos - inclusive a medicina -, todos vamos nos beneficiar dessa significativa evolução (equivalente ao progresso dos últimos 50 anos). O que isso representa para a nossa expectativa de vida? E se pensarmos nos benefícios a auferir da evolução que ocorrerá nos dez anos seguintes (de 2009 a 2019) e assim por diante?
Para todos os que estão entre 40 e 50 anos hoje, a previsão pode ser uma expectativa de 100 a 120 anos. No mínimo. Mais ainda, provavelmente chegaremos física e mentalmente muito bem a essa idade. Extremamente ativos e bem-dispostos.
A questão-chave é: "O que faremos depois que nos aposentarmos, aos 55, 60 anos?" Na perspectiva de estarmos bem aos 120, o que faremos dos 60 até aquela idade?
"O que fazer quando crescer?" Qual será a minha 2a carreira? E a 3a? E a 4a? Daria tempo ainda para uma 5a?
3 - Um dos diretores da Amana, Eduardo Borba, hoje na faixa dos 40 anos, fez engenharia de produção na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Quando ainda estudante, Borba, que chegou a participar de concursos de MPB compondo e cantando, encantou-se com uma trupe de artistas que viajava pelo mundo promovendo solidariedade entre os povos por meio da música. Ele trancou a matrícula na Poli, juntou-se ao grupo e ficou alguns anos viajando. Mais tarde voltou, terminou o curso, fez mestrado em administração na França e depois doutoramento na Fundação Getúlio Vargas. E tornou-se especialista em gestão - ele está na Amana há quase dez anos.
Há dois anos, inauguramos em nossa empresa uma prática de reflexão coletiva. No início de cada mês define-se um tema (começamos com "simplicidade") divulgado numa grande placa de cortiça colocada no principal corredor de nossas instalações. Durante o mês, todos os funcionários contribuem com suas idéias, como charges, recortes, artigos etc. sobre o assunto. No fim do mês, o tema é fechado com um workshop organizado pelos próprios colaboradores e com a participação de todos os diretores.
Para um desses workshops, Borba foi desafiado a criar uma canção sobre o tema usando a contribuição de todos no quadro.
Saiu-se tão bem que a música foi apresentada por ele mais tarde num dos cursos para nossos clientes. Repetiu-se o sucesso. Daí para o desafio de fazer um CD foi um passo rápido. Com o apoio dos melhores profissionais do ramo, contratados pela Amana, o CD foi gravado e está pronto para reprodução e distribuição - como presente - para os mais de 10 000 participantes de nossos cursos.
O esforço feito por Borba nesse processo trouxe à tona o seu talento musical - adormecido há muito tempo. No próprio trabalho que desenvolve hoje, ele está evoluindo em duas direções. No campo da gestão, como educador. E no campo da música, como compositor, violonista e cantor. Em que direção evoluirá sua 2a carreira? Talvez nem mesmo Borba saiba. Mas o que nos faz pensar é que ele está se desenvolvendo já hoje em várias direções. Suas opções serão mais amplas quando estiver pronto para escolher...
4 Há poucos dias, realizamos uma entrevista em vídeo com Michael Hawley, professor de tecnologia de mídia no Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), para trabalharmos em nosso curso de gestão. Hawley - ou Mike, como prefere ser chamado - é o pesquisador principal do projeto Coisas que Pensam, um programa de pesquisa que explora as formas pelas quais a mídia digital irá se incorporar a objetos do dia-a-dia, como uma pia de cozinha ou uma balança de banheiro. Ele também dirige um consórcio de pesquisa intitulado Brinquedos de Amanhã, recém-criado pelas principais empresas de brinquedos do mundo para desenvolver novos tipos de brinquedos. Em maio de 1998, ele liderou uma equipe que escalou o Monte Everest carregando equipamentos que, na visão de Mike, serão parte diária do cuidado com a saúde no futuro - uma espécie de "caixa-preta" individual que irá permitir decisões médicas mais precisas e eficazes.
Esses são alguns dos projetos no mínimo inusitados com os quais Mike tem se envolvido nos últimos anos. Mas o que mais nos surpreendeu foi saber que Mike se formou na faculdade de... música! Após graduar-se em piano pela Universidade Yale, Mike foi trabalhar com o compositor e musicólogo francês Pierre Boulez, em Paris, em seu instituto de música eletrônica. Recebeu, então, um convite para trabalhar nos estúdios de George Lucas, em projetos de cinema digital. Mike decidiu posteriormente aprofundar seu conhecimento em tecnologia fazendo doutorado no MIT sob orientação de Marvin Minsky, um dos pais da inteligência artificial. Ele também trabalhou com Steve Jobs, tornando-se o principal engenheiro da NeXT, empresa fundada por Jobs após sua saída da Apple. Para a NeXT, Mike desenvolveu a primeira biblioteca digital do mundo, incluindo edições de Shakespeare e o dicionário Merriam-Webster's. Ele é membro do conselho de administração do Instituto de Jazz Rutgers, campeão de ioiô e membro da Federação Americana de Bobsled (aqueles trenós do filme Jamaica Abaixo de Zero)!
Em sua entrevista, Mike contou que algumas semanas antes de sua vinda ao Brasil havia participado da primeira edição da Competição Internacional de Piano para Amadores de Alto Nível, feita pela Fundação Van Cliburn, que realiza um dos mais concorridos concursos internacionais para pianistas profissionais. A versão da competição para amadores é aberta para músicos com mais de 30 anos de idade que não ensinam nem tocam profissionalmente. O grupo de competidores incluía, além de vários professores universitários (entre eles Mike), médicos e advogados, um dono de restaurante, um meteorologista, um piloto de aviões, uma comissária de bordo, um repórter, um diretor de cassino, um âncora de TV, um crítico de artes do New York Times e o embaixador do Brasil em Miami (Luiz Benedini, um dos finalistas). O vencedor foi Joel Holoubek, um francês numismata e corretor de moedas antigas.
Parece que o conceito de 2a, 3a carreira para Mike Hawley não é algo linear e claro. Mas definitivamente ele está navegando o tempo todo na direção de carreiras inéditas. E fazendo acontecer. E continuará assim por muito tempo. Nos próximos 60 a 100 anos, talvez...?
5 Quando meus filhos eram pequenos e dormiam todos num só quarto, eu contava histórias para eles todas as noites. Sentava na beira da cama e começava: "Era uma vez..." Ao começar com esta frase, não tinha a menor idéia sobre a história daquela noite. Mas ela fluía naturalmente, ia brotando como se viesse de uma fonte inesgotável de enredos que a frase mágica repentinamente acessava. E o processo era tão ativo que, às vezes, a história vinha em dois capítulos. O segundo, para ser concluído na manhã seguinte, no carro, a caminho da escola.
Já não conto histórias para meus filhos há anos. São todos adultos agora. Mas continuo a contar histórias, agora reais, para ilustrar conceitos que trabalho nos cursos para executivos ou durante os seminários para jovens. Ao pensar sobre minha carreira seguinte muitos anos atrás, a idéia veio muito clara: escritor de livros infantis.
Essa será minha 3a carreira (a primeira, antes da Amana, foi num banco). E estou me preparando aos poucos. Ao viajar, visito livrarias e folheio e compro livros infantis. Encontrei até um em que escritores do gênero contam como trabalham e criam seus livros. Consigo me ver 10, 20 anos à frente criando histórias para crianças. Livros. Mas também usando a mídia que for inventada mais adiante. Estarei aberto.
Todas essas perspectivas me ajudam já hoje. Sinto serenidade em relação ao futuro. Sei qual será meu próximo passo. E quanto ao passo subseqüente? Ainda não sei qual será minha 4a carreira... Mas sei que outras janelas se abrirão. Estarei atento.
Sinto porém que, mais do que em carreiras, estou navegando em outras águas já há algum tempo.
A questão-chave já não está no trabalho. Está na expressão do melhor de mim em tudo que faço. Em tudo que faço para as pessoas ao meu redor e para a sociedade. E aqui a seara não é mais da realização profissional. É a realização como ser humano. É a realização do espírito.
Como já disse Albert Einstein: "O ser humano somente pode encontrar significado na vida, curta e perigosa como é, por seu devotamento à sociedade". Nesse sentido vejo carreiras como meios. Mas um meio para quê, afinal? Essa é a verdadeira questão. Uma questão que fica cada vez mais clara na medida em que evoluímos e transcendemos a mera busca de poder, status e riqueza material. Descobrimos que se trata de um meio para sermos cada vez mais úteis aos nossos semelhantes. Talvez isso seja o que de melhor possamos fazer por nossas carreiras. E por nossas vidas.
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Oscar Motomura é diretor-geral da Amana-Key. Se quiser compartilhar com ele suas idéias sobre este assunto, envie-as ao e-mail: proxima.carreira@amana-key.com.br